A figura do superfã ganhou destaque sem precedentes ao longo do último ano, com o negócio da música reconhecendo a força desses consumidores fieis e até gravadoras major, como a Warner Music, investindo em seus próprios aplicativos para se conectar com eles. Desde o auge das boy bands, nos anos 90 e 2000, não se via um protagonismo tão grande dado à figura do fã. Agora, especialistas do mercado analisam o resultado dessa abordagem renovada e apontam novos possíveis caminhos.
O ‘super’ faz referência, justamente, às possibilidades de impacto desses admiradores dedicados, reconhecendo a evolução que vêm causando na era digital. Embora sejam muito efetivos, não se trata meramente de “superpoderes”, e sim de muita dedicação. Estes são os fãs que consomem a música do artista e ainda participam ativamente de diversas atividades relacionadas a ele. Isso inclui seguir de perto lançamentos, participar de shows e eventos, interagir nas redes sociais, promover o artista em suas próprias plataformas e, em muitos casos, organizar e participar de fã-clubes e comunidades online.
O termo pode parecer uma tendência do momento, mas a verdade é que os fãs ardorosos não são uma novidade. O que muda é o reconhecimento que têm das grandes empresas no setor da música. “Os fãs sempre foram uma parte vital da economia criativa, mas a evolução tecnológica permitiu que essa conexão se estreitasse ainda mais. As redes sociais e os aplicativos de comunicação 1:1 trouxeram a relação para um lugar mais íntimo e interativo. Aliado a isso, a capacidade de coletar e analisar os dados dos fãs permitiu uma segmentação mais precisa e estratégias de marketing personalizadas. A partir do momento que o artista conhece o seu fã, fica mais fácil oferecer o que ele quer”, aponta Thiago Flores, Gerente de Vendas da Ranked Music, consultoria especializada em marketing para artistas.
Superfãs e a evolução das fanbases
Os fãs mais intensos costumam ter uma conexão emocional profunda com a obra e a persona do artista, o que os leva a investir tempo, dinheiro e esforço para apoiar sua carreira. Este é um grupo que leva a sério a sua identidade enquanto fãs dedicados, por isso se comprometem na compra de ingressos especiais, meet and greets e pacotes de lançamentos de luxo - são eles o público alvo daqueles discos de vinil de múltiplas cores colecionáveis e tênis com séries limitadas. Essa dedicação torna os superfãs um dos pilares da sustentabilidade econômica e da relevância cultural de muitos artistas.
Por isso, não é difícil entender como essa categoria de fãs passou a ser um fator que influencia estratégias de marketing. Este fenômeno pode ser observado na atuação de grandes fanbases, como a do Portal Katy Perry, que hoje conta com mais de 112 mil seguidores no X.
O PKP é um dos maiores fã-clubes dedicados à cantora no Brasil - o que não é dizer pouco, considerando que o país é um dos principais territórios para Perry, com São Paulo despontando como a terceira cidade onde é mais ouvida no Spotify. O Portal nasceu da fusão de dois sites distintos, ambos motivados por um desejo comum: promover a artista.
Paulo Silvino, um dos integrantes da equipe, destaca que as “eras" de Katy Perry exigiram um esforço considerável para manter o portal atualizado e relevante. “A gente tem um esquema de equipe onde segmentamos em áreas redação, design e edição de vídeo, justamente para termos um melhor resultado da nossa entrega. Quando precisamos recrutar alguém para o time, buscamos pessoas que estejam capacitadas dentro dessa área e é uma coisa que difere muito de antigamente, onde ferramentas de criação e edição não eram tão acessíveis como hoje”, explica Paulo.
A relação entre os superfãs e a gravadora também se intensificou: hoje, o perfil do Portal Katy Perry exibe orgulhosamente a distinção de parceria com a gravadora da cantora, a Universal Music. Simon Diego, também integrante da equipe, aponta que o reconhecimento do fã-clube por parte da UMG é fundamental para a divulgação dos trabalhos no Brasil. “Isso significa que a gravadora nos reconhece como um fã-clube da cantora no país e conta conosco na hora de divulgar novos trabalhos dela. Temos uma troca que beneficia os dois, eles nos fornecem itens para que divulguemos a música de Katy e nós fazemos esse trabalho diariamente, com atualizações quase em tempo real”, afirma Simon. Essa interação reflete como as gravadoras, cientes do poder das comunidades de superfãs, passaram a integrá-las em suas estratégias promocionais.
A evolução das tecnologias de comunicação e das plataformas digitais mudou a dinâmica dessas relações. Vitória Aznar, também do Portal Katy Perry, relembra que, em 2010, quando a página foi criada, a forma de consumo de música era bem diferente, sem a presença massiva de plataformas de streaming.
“As gravadoras e agências já entravam em contato conosco para parcerias principalmente em época de show aqui no Brasil e lançamentos de trabalhos novos da Katy, mas a tecnologia de hoje nos permite realizar ações diferentes do que naquela época. Depois da pandemia, principalmente, muitos aplicativos e plataformas surgiram com o intuito de realizar uma conexão online. Hoje a visão estratégica com certeza é diferente, os players de mercado têm outra visão, outro objetivo e esperam métricas diferentes do que esperavam há mais de 10 anos atrás”, comenta Vitória, destacando que as ações presenciais, comuns naquela época, agora são substituídas por estratégias online, atingindo uma audiência muito maior.
A partir de sua expertise na Ranked, Thiago Flores destaca a importância de construir uma comunidade sólida de superfãs, enfatizando a necessidade de uma identidade clara e autêntica por parte do artista. “Essa autenticidade é fundamental para que os fãs estreitem a conexão com o artista de uma forma mais profunda e emocional”, afirma. Além disso, Thiago sugere que a produção de conteúdo exclusivo e de qualidade, como bastidores, sessões de perguntas e respostas e vlogs, é essencial para manter o engajamento contínuo dos fãs. A interação nas redes sociais, por meio de respostas a comentários e mensagens, também é uma prática indispensável para fortalecer essa relação.
O conceito de exclusividade também ganha destaque na estratégia de relacionamento com os superfãs. Flores menciona que eventos como lives exclusivas e festas de lançamento, podem reforçar a fidelidade dos fãs. Ao mesmo tempo, sistemas de recompensas, como merchandise limitado e acesso antecipado a ingressos, oferecem uma sensação de pertencimento a um grupo privilegiado.
Resultado perceptível
O impacto dos superfãs na carreira de um artista não pode ser subestimado. As redes sociais e os aplicativos de comunicação direta permitiram uma conexão mais íntima e interativa, facilitando a criação de estratégias de marketing personalizadas baseadas em dados.
No entanto, é preciso equilíbrio. “É importante ouvir os fãs, mas também é necessário ter uma visão artística própria e segui-la. O artista precisa tomar cuidado para não comprometer sua arte apenas para agradar o fã. Do ponto de vista econômico, é importante explorar outras fontes de receita que não sejam diretamente ligadas ao consumo dos fãs, como licenciamento, sincronização em filmes e comerciais, e parcerias de marca”, alerta Thiago.
A identidade de um trabalho artístico deve sempre estar em primeiro plano. “Qualidade e inovação artística são fundamentais. Sem um produto excepcional, a base de fãs não se sustenta. Também devemos considerar nessa equação a criação de uma boa equipe de
gerenciamento que cuide de aspectos financeiros, de marketing e de planejamento estratégico. O artista precisa entender de tudo que o permeia, mas também é essencial
ter uma equipe de qualidade que dê esse suporte. Construir relações sólidas na indústria, incluindo colaborações com outros artistas, produtores e profissionais do setor é um outro pilar crucial”, complementa Flores.
Casos emblemáticos como Taylor Swift, BTS e Billie Eilish exemplificam o sucesso de estratégias bem-sucedidas na construção de comunidades de superfãs. Swift, por exemplo, chegou a convidar líderes de fã-clubes de diferentes países para audições de álbuns em sua própria casa, enquanto o BTS utiliza a plataforma Weverse para manter uma comunicação íntima com seus fãs. Já Billie Eilish recentemente incluiu todos os seus seguidores no Instagram como “melhores amigos”, uma iniciativa que fortalece o vínculo com seu público.
Embora pareça que os superfãs são privilégio dos artistas de alcance global, é possível cultivar uma base de fãs desde os estágios iniciais de uma carreira independente. Para quem não conta com o aporte de uma major, Thiago Flores indica: “Utilizar plataformas como Bandcamp, Patreon e redes sociais para conectar-se diretamente com os fãs; interagir regularmente, respondendo a mensagens e participando de discussões; e oferecer conteúdo exclusivo que não está disponível em outros lugares, incentivando os fãs a se engajarem mais profundamente”. Este é um pontapé inicial disponível para artistas independentes, podendo levar ao crescimento orgânico da base de apoiadores.
Com a chegada do segundo semestre, reavaliar o impacto do foco nos superfãs é importante para entender se as estratégias adotadas estão realmente funcionando como previsto. Com a evolução constante das plataformas digitais e das expectativas dos fãs, é necessário monitorar métricas como engajamento, vendas e a eficácia das campanhas direcionadas a esse público específico. A análise desses dados permite ajustes nas abordagens, garantindo que o investimento nos superfãs continue a ser uma estratégia eficaz e sustentável para o artista ou banda, evitando que se tornem dependentes de uma base limitada e explorando novas oportunidades de crescimento.
Mas com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades. A figura do fã dedicado se tornou uma peça vital na indústria da música moderna, impulsionando a popularidade dos artistas e desempenhando um papel ativo na definição de estratégias promocionais e na construção de comunidades engajadas. A conexão emocional e a autenticidade são elementos chave para manter e expandir essa relação, garantindo que os artistas possam contar com uma base de fãs sólida não apenas agora, mas ao longo de suas carreiras.
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